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Imagem e cultura visual / Revista História da Educação / 2015

Esse dossiê busca contribuir com os estudos que se inscrevem na interface entre cultura visual e história da educação e ampliar as possibilidades investigativas da dimensão visual da educação, em perspectiva histórica. Mais que incorporar os documentos visuais como elementos complementares do campo empírico das pesquisas, em geral calcadas sobre os escritos, pesquisar as imagens e a cultura visual, encontra sentido na problematização dos aspectos da visualidade da educação, seja ao delimitar os contornos das cadeias de produção, circulação, usos, consumo e apropriações das imagens; seja ao explorar as associações entre o visível e o invisível, nas quais estão subjacentes as relações de poder configuradoras do social. Desse modo, ao problematizar a dimensão visual da educação, vários dos estudos aqui apresentados propõem novas miradas às imagens produzidas, com diversas funções, no âmbito escolar e universo familiar, ambos extensamente investigados pelos historiadores da educação. Porém, instiga a ultrapassar o âmbito tradicionalmente consagrado dos estudos de história da educação ao apresentar objetos ainda pouco desbravados entre nós, como as revistas ilustradas ou o cinema.

Os artigos aqui reunidos procuram contemplar pesquisadores de diferentes universidades brasileiras e internacionais, não se restringindo àqueles vinculados diretamente ao campo da História da Educação. Convidam o leitor a dialogar com aportes teóricos e metodológicos oriundos da História da Arte, da Semiótica, da Estética, do Cinema, da Comunicação, da Arquitetura, entre outras áreas cuja tradição assenta-se no trabalho com as imagens. Acredita-se que esses olhares podem contribuir com as investigações em história da educação, uma vez que propõem indagações mais enriquecedoras a documentos já interpretados a partir de outros aspectos, ou proporcionar a descoberta de repertórios visuais relegados a segundo ou terceiro plano.

Assim, abrindo o dossiê, Olivier Lugon em Nova objetividade, nova pedagogia: a respeito de Aenne Biermann. 60 Fotos, (1930) analisa o livro de fotografias dessa artista que se inseriu no movimento da Nova Pedagogia alemã, cujo substrato consistia em substituir o ensino livresco tradicional pelo contato direto com os elementos do saber. Segundo Lugon, a Nova Objetividade na fotografia, por essa razão, alcançou um papel pedagógico de grande relevância na Alemanha ao possibilitar aos estudantes o contato visual com as coisas do mundo. Mas mais que possibilitar a produção de livros com imagens didáticas para uso em sala de aula, tarefa que vários fotógrafos assumiram naquele contexto, a aprendizagem da fotografia foi incluída nas escolas alemãs, primeiramente como recurso do ensino gráfico criativo e, posteriormente, como ferramenta do ensino de diversas matérias através da projeção visual. Desse modo, Lugon aborda como arquitetura e fotografia foram reunidas de modo a construir no espaço da sala de aula um ambiente de máxima concentração para aprendizagem por meio das imagens, elaboradas de forma mais objetiva possível em relação ao seu referente, possibilitando, no isolamento da escola em relação ao mundo, conhecê-lo através das imagens fotográficas. Por outro lado, o autor explora as concepções contraditórias que reuniram fotografia e pedagogia moderna, nos anos 1920, mostrando que estas buscavam uma aprendizagem sem a leitura, restituindo à criança seu primeiro olhar sobre as coisas e tentando afastá-la das noções já incorporadas através da cultura e da educação.

Andrea Cuarterolo, em El cine científico en la Argentina de principios del siglo 20: entre la educación y el espectáculo, aborda a produção e exibição de filmes científicos, balizados pela ideia de conciliar aprendizagem e diversão. Inicialmente, produzidos por médicos cirurgiões, tais filmes caracterizavam-se como recursos pedagógicos destinados a um público especializado, adquirindo, na década de 1920, características de ampla divulgação visual das ciências para as massas de imigrantes não conhecedores do idioma, em contexto de propagação de doenças contagiosas e de difusão das ideias higienistas. Ao chegarem às escolas esses filmes constituíram-se como híbridos de espetáculo e educação, algumas vezes, alcançando grande sucesso de bilheteria nas casas de exibição por abordarem temáticas censuradas, sob véu científico. Além do especial interesse que suscita o texto da autora pela dimensão educativa do cinema nas primeiras décadas de sua existência, esta explora os denominados filmes órfãos, realizando uma arqueologia desses materiais parcamente preservados e difundidos da história do cinema na Argentina.

Na sequência, Ana Maria Mauad em Usos e funções da fotografia pública no conhecimento histórico escolar introduz a noção de fotografia pública, reportando-se, por um lado, à produção de imagens de eventos sociais, realizada por autores independentes ou a serviço institucional; e, por outro lado, às funções de representações do poder na cena pública. Segundo a autora, o potencial de mobilização de memórias e de representações históricas tornam a fotografia pública documento e monumento do passado, daí sua utilização pelos livros didáticos de história. A partir de quatro situações, a autora analisa criticamente os usos e funções da fotografia pública nos livros didáticos, alertando para as ausências observadas e oferecendo pistas para uma operação histórica com imagens, que considere os circuitos de produção e circulação, bem como as economias visuais nas quais se inserem.

Cláudio de Sá Machado Júnior em Fotografia, imprensa de variedades e educação: discursos visuais e textuais sob o foco de uma pedagogia de revista problematiza o potencial educativo da imprensa de variedades e sugere pistas metodológicas à História da Educação, através do exame das configurações narrativas que associam imagens fotográficas e textos escritos. A partir da análise da Revista do Globo, o autor discute em que medida fotografia e escrita inserem-se numa pedagogia do olhar, de modo a compor um mundo pré-configurado e em consonância com seu público leitor.

O último artigo do dossiê intitula-se A grafia dos corpos no espaço urbano: os escolares no álbum Biografia duma Cidade, Porto Alegre, 1940, de minha autoria. São tecidas considerações em torno da relação entre cultura escolar, cultura fotográfica e cultura visual. Nessa perspectiva, é possível verificar a produção de uma cultura visual escolar particular caracterizada por diversos elementos, entre os quais as fotografias veiculadas em relatórios, álbuns, revistas, cartões postais. Através da análise de determinadas imagens fotográficas do álbum Biografia duma cidade, é possível perceber, entre outros aspectos, os modos de inserção da cultura escolar no espaço urbano, bem como explorar as relações entre visibilidade e invisibilidade dos sujeitos fotografados, seja na escola, seja na cidade.

Por fim, vale ressaltar que este dossiê, tendo em vista os limites estabelecidos pela revista, constitui um anúncio de uma parcela do potencial de investigações em torno das imagens e da cultura visual no âmbito da História da Educação, que no Brasil tende a se expandir. O desejo é menos de esgotar as possibilidades, tarefa inalcançável, e mais de inspirar pesquisadores a incorporarem em seus estudos a dimensão visual reportada à educação, almejando, ainda, que os achados suscitados de documentação ainda quase inexplorada fomente a preservação dos repertórios visuais, seja nas instituições escolares, seja no âmbito privado.

Zita Rosane Possamai – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


POSSAMAI, Zita Rosane. Apresentação. Revista História da Educação. Porto Alegre, v. 19, n. 47, set. / dez., 2015. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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