Alinhada à proposta inicial de integrar diversas áreas de pesquisa no campo das ciências humanas e sociais (História, Pedagogia, Sociologia, Filosofia etc.), esta coletânea de textos discute a educação a partir de suas múltiplas interfaces, sobretudo, com a História. Apresentamos, aqui, o fruto de dois anos de intenso trabalho na estruturação, recebimento, avaliação e correção das contribuições encaminhadas desde a aprovação da proposta deste dossiê pela Revista História e Cultura e a abertura da chamada pública de textos em 2013. As contribuições nacionais e internacionais agora publicadas contam com autores de diversas instituições e formações, de modo que estão organizadas em pequenos blocos temáticos.
O primeiro conjunto de textos está situado no campo do Ensino de História, apresentando, de forma sugestiva, abordagens e referenciais teóricos sensivelmente diferentes. O artigo assinado por Marcelo Abreu e Marcelo Rangel discute os nexos teóricos e práticos entre memória, cultura histórica e ensino de história. Integrando o entendimento do ensino de história no conjunto mais amplo de uma “cultura histórica”, os autores propõem temas, conceitos e problemas a partir dos trabalhos de Christian Laville, Jörn Rüsen, Hans Gumbrecht e François Hartog, abordando possibilidades do ensino de história em um tempo marcado pela “desorientação”, ou seja, o enfraquecimento de pilares teóricos e epistemológicos que pautavam a ação e a teorização históricas desde o século XIX (nação, identidade, verdade histórica etc.). A investigação de Livia Scheiner, construída sobre pesquisa empírica realizada no EJA do célebre Colégio Pedro II, analisa os estudos históricos e o ensino de história à luz da “cognição histórica situada”. Por meio de questionários dirigidos aos alunos, a pesquisa aborda o problema da formação histórica a partir de elementos cognitivos (experiência, interpretação, orientação) capazes de estruturar relações fundamentais com a historicidade, inserindo as formas do ensino na correlação entre uma consciência histórica situada na “vida prática” e a própria percepção da temporalidade e do passado histórico.
O segundo bloco de textos reúne abordagens que sugerem instigantes aproximações entre História, Sociologia e Filosofia, problematizando relações no campo do ensino e da pesquisa. O artigo de Renato José de Oliveira discute possibilidades de articulação da hipermodernidade e do pós-dever, de Lipovetsky, com algumas teorias da racionalidade argumentativa (Perelman e Olbrechts-Tyteca) para o entendimento de práticas e comportamentos em escolas de ensino fundamental e médio, situando, assim, as vivências escolares no contexto das ambivalências éticas e valorativas da própria modernidade (hiperindividualismo, bullying, agressões etc.). Rosana Cuba, desdobrando os diálogos entre Educação, História e Sociologia em pesquisa empírica realizada no município de São José do Rio Preto (SP), articula as profundas transformações históricas do final do século XX e início do XXI aos sentidos e significados atribuídos à escola por jovens de classe média. Destaca, nesse sentido, novas esferas de socialização (situadas na internet, por exemplo) e a dissolução de critérios de sequencialidade e hierarquização (característicos da escolarização moderna, sobretudo, a partir do século XVIII). O artigo de Leoni Henning reflete sobre as forças históricas que marcam importantes questões no campo da Filosofia da Educação no Brasil: desde configurações teóricas do campo até a prática e seus profundos sentidos políticos historicamente situados, a autora indica valiosos caminhos para o entendimento da Filosofia da Educação no processo de formação de professores no Brasil.
Analisando os processos de educação em perspectiva histórica, organizamos os demais artigos em ordem cronológica. A contribuição de Álvaro de Araujo Antunes oferece um painel teórico / historiográfico sobre os estudos produzidos em História da Educação tematizando a América Portuguesa. Além de um inventário debruçado sobre as especificidades da produção acadêmica na área, trata-se de propor alternativas de pesquisa à luz de problemas da História Cultural. Derick Santiago sugere aproximações entre os conceitos rousseaunianos de “estado de natureza” e “infância”: alinhando, portanto, temas da filosofia política e do pensamento pedagógico do filósofo de Genebra, Santiago indica uma matriz das reflexões de Rousseau calcada em dinâmicas de sociabilidade, destacando, como elemento central, uma teorização sobre o homem e suas interações sociais. O século XVIII ainda ganha outros contornos com o trabalho de Patrícia Merlo e Guilherme Marchiori de Assis, que enfatizam a pluralidade e as especificidades das Luzes na Europa a partir de uma investigação comparativa entre as obras de Ribeiro Sanches, estrangeirado português, e do marquês de Condorcet, filósofo francês. Para os autores, a ênfase do racionalismo Ilustrado nas formas de instrução conferia uma espécie de primado da educação no “esclarecimento” (para empregar a terminologia kantiana) das sociedades modernas.
O século XIX é compreendido pelo instigante estudo empírico assinado por Carimo Mohomed. O autor investiga o Movimento Aligarh, núcleo de identidade entre as populações muçulmanas da Índia Britânica, centralizando suas investigações na figura de Ahmad Khan (1817-1898), importante liderança política e intelectual da região e idealizador de um ambicioso sistema educacional para integração social: para Carimo Mohomed, as ações do Movimento Aligarh sinalizam, sobretudo, um projeto de modernização junto à comunidade muçulmana, aliando preceitos da educação islâmica aos conteúdos das ciências ocidentais. O autor, nesse sentido, enfatiza um amplo processo de regeneração intelectual dos muçulmanos na Índia, articulando o Movimento Aligarh em torno da construção de uma elite muçulmana que, educada para assumir quadros administrativos na Índia Britânica, era consciente de seu projeto na medida em que uma identidade muçulmana em elaboração na região sedimentava essa condição.
Preocupados com a História da Educação do Brasil republicano, os artigos que encerram esta coletânea apontam, além da diversidade temática, uma rica pluralidade teórico-metodológica na análise da documentação. Renan Mattos estuda algumas tensões no campo educacional nos anos 1930 e 1940: a partir das produções de Fernando do Ó, liderança espírita em Santa Maria (RS), o autor analisa, apoiado em documentação impressa e no quadro teórico de Bourdieu e de parte da historiografia sobre o período Vargas, processos e estratégias de disputa que delimitam algumas balizas do campo educacional brasileiro no período, sublinhando temas como a religião, o ensino público e a própria imagem da nação. Josineide Santana investiga o cotidiano escolar no Orfanato de São Cristóvão (SE) no início dos anos 1940: além de uma descrição minuciosa de práticas cotidianas (despesas, currículo, espaço etc.), o artigo propõe análises sobre os sentidos da educação feminina no período. Momento, aliás, rico em debates no campo educacional: Thiago Nascimento apresenta um painel dos anos 1920-1950 – conjuntura em que temas escolanovistas aparecem diretamente articulados às propostas de Delgado de Carvalho e às recepções das ideias de Dewey na configuração dos ensinos de História e Estudos Sociais no Brasil republicano.
O sugestivo estudo de Sérgio César da Fonseca, Débora Menegotti Ferreira e Maria Beatriz Prandi analisa o Parque Infantil, escola implantada em Ribeirão Preto (SP) nos anos 1950. Os autores inserem as análises documentais no contexto mais amplo de políticas de educação da infância que, desde os anos 1930, elaboravam ações estaduais na formação dos Parques Infantis: a pesquisa, dessa forma, acompanha significativas alterações das formas de educação, assistência e amparo à infância, analisando conjunturas centrais (décadas de 1950-60) para o entendimento da escolarização do Brasil. É essa mesma conjuntura que marca o ponto alto do artigo de Hilda Maria Gonçalves da Silva: analisando a Educação de Adultos no Brasil, a autora demonstra seus aspectos políticos e pedagógicos marcadamente associados aos anos 1950-70, momento de aguda modernização em sociedades da América Latina, criticando a sobrevalorização de uma concepção instrumental da forma educativa em detrimento de um ensino reflexivo e de maior possibilidade crítica: ambiguidade histórica que, conforme o argumento de Hilda Silva, prende as dimensões da educação às estruturas pragmáticas do mercado de trabalho. Finalizamos este dossiê com uma resenha de Everton Vieira Barbosa sobre o livro História & livro e leitura, de André Belo (historiador português da Universidade Rennes 2, na França), discutindo a História da Educação no contexto de uma história do livro e das formas de leitura.
Buscando, enfim, matizar algumas mediações históricas e teóricas que configuram o campo da educação, acreditamos que o presente dossiê ilustra, além de um esforço acadêmico para congregar pesquisas, uma possibilidade de interlocução entre diferentes campos para o entendimento dos processos de educação em suas dimensões políticas e socioculturais. Desejamos, nesse sentido, que a diversidade de temáticas, objetos, metodologias e teorias possa contribuir no sentido de um aprofundamento de pesquisas acadêmicas situadas na interface entre as ciências humanas e sociais e o campo da educação.
Marcus Vinicius da Cunha – Docente da Universidade de São Paulo (USP) Professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da FFCLRP / USP e colaborador do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Araraquara) Pesquisador do CNPq.
Tatiane Silva – Doutoranda em Educação – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Araraquara) Bolsista FAPESP.
Felipe Ziotti Narita – Doutorando em História – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP / Franca) Bolsista CAPES.
Organizadores do dossiê “Educação em perspectiva histórica”
CUNHA, Marcus Vinicius da; SILVA, Tatiane; NARITA, Felipe Ziotti. Apresentação. História e Cultura. Franca, v. 4, n. 2, set., 2015. Acessar publicação original [DR]
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