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Mulheres, práticas políticas e gênero: História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s) / História Revista / 2014

A introdução dos estudos de gênero no Brasil encontrou campo fértil na história das mulheres, caracterizada como uma produção de saber interdisciplinar, que ganhou consistência nos anos de 1970. As pesquisas envolveram esforços de historiadoras, sociólogas e antropólogas, feministas que tiveram coragem de dar voz às mulheres, retirá-las do apagamento e do silêncio da História, destacando as “vivências comuns, os trabalhos, as lutas, as sobrevivências e as resistências das mulheres no passado” (PEDRO, 2005, p.85). Nesse avanço das lutas sociais e das críticas feministas, tem vazão a controvérsia em torno da história das mulheres, que parecia sinalizar a exaustão da categoria mulher, vista, muitas vezes, como generalizada e universal. Abria-se, então, o campo para os gender studies ou o estudo das relações de gênero, que ganharam relevância nos Estudos Unidos, no início dos anos 1990 (RAGO, 1998, p.89).

A partir disso, abriu-se um campo de pesquisa interdisciplinar que busca compreender como se constituem o masculino e o feminino cultural e historicamente, na perspectiva das relações de gênero. A introdução dessa categoria iluminou a análise ao incorporar à experiência a dimensão da sexualidade e das identidades construídas, contrapondo-se à tendência de se pensar a identidade sexual como algo biologicamente dado (NICOLSON, 2000, p.9).

Dentre as contribuições do conceito de gênero, destacam-se: a rejeição ao determinismo biológico implícito no uso de termos como sexo ou diferença sexual; a dimensão relacional entre as mulheres e os homens, indicando que nenhuma compreensão de qualquer um dos dois sexos poderia existir sem um estudo que os tomasse em separado; a ênfase no caráter social e cultural das distinções baseadas no sexo, que contribuiu para desnaturalizar o discurso biológico; a dimensão das relações de poder que perpassa as assimetrias e hierarquias nas relações entre homens e mulheres (SOIHET e COSTA, 2008, p.43). Como Jane Flax (1991, p.226) afirma, a problematização das relações de gênero consiste no mais importante avanço isolado da e na teoria feminista no final do século XX. Definitivamente, inaugura-se um novo paradigma para compreensão da História.

O presente dossiê representa e confirma a importância e a abundância de pesquisas em torno da temática das relações de Gênero na História. As pesquisas pretendem compreender como as vivências e experiências de mulheres e homens questionaram / conformaram / inventaram a profunda desigualdade nas relações de gêneros, e simultaneamente espaços e lugares públicos e privados interditados e repensados. As construções sociais, históricas e culturais em torno dessa rede simbólica é, muitas vezes, composta de silêncios ratificados em discursos que buscam naturalizar a diferença, significados criados politicamente e necessariamente imprecisos (SCOTT, 2012).

Alcileide Cabral do Nascimento e Alexandre Vieira da Silva Melo fazem uma profícua parceria no artigo “Melindrosas em revista: Gênero e sociabilidades do início do século XX (Recife, 1919-1929) ao analisar o corpo feminino e suas ressignificações através da figura da Melindrosa – personagem instigante e amendrontadora da ordem de gênero – na moderna Recife da Primeira República.

Ana Maria Colling e Losandro Tedeschi abordam as questões sobre “Os Direitos Humanos e as questões de Gênero” analisando a desigualdade de gênero como “uma afronta à igualização proposta pelos Direitos Humanos desde a sua fundação no século XVIII”. Violência, direito à cidadania e espaços conquistados por mulheres ultrapassam assim fronteiras políticas para tentarem realizar um espaço de vivências igualitárias e democráticas, que deveriam ser asseguradas às mulheres, mas as disputas de poder das relações de gênero nos mostram que a história é repleta de conflitos e exceções.

Maria Izilda de Santos Matos nos brindou com o trabalho “Maria Prestes Maia: trajetória, luta política e feminista na qual investiga a importância da esposa do prefeito e urbanista Francisco Prestes Maia em meados do século XX – Maria Prestes Maia, imigrante lusa – nas atividades políticas, sociais, sua atuação na Federação das Mulheres no Brasil e como sua influência pode ter tido relevância para o traçado urbano de São Paulo efetivado pelo “Plano Avenidas”.

No artigo “Mulher, casamento e trabalho: um triângulo que não fecha?” de Maria Beatriz Nader embarcamos para outra cidade brasileira: Vitória e suas transformações nas três últimas décadas do século XX. A participação das mulheres nesse desenfreado processo de implantação de grandes indústrias, aumento populacional e econômico, sofre intensas mudanças, pois o mercado de trabalho rompe, ou pelo menos esgarça a tessitura do bordado tradicional do destino feminino de casamento e família.

Gleidiane de Sousa Ferreira aponta que o debate sobre o feminismo não é apenas nacional, mas internacional. Sua contribuição ao apresentar elementos de atuação política do Mujeres creando, grupo de atuação feminista anarquista boliviano desde 1992, é literalmente um espaço de reflexão sobre o que significa pensar as práticas do feminismo nos dias contemporâneos. Seu artigo “Produzir conhecimento sobre si mesmas: uma reflexão histórica sobre práticas feministas autônomas na Bolívia”, aborda as diversas formas de comunicação estabelecidas por essas mulheres, tendo como ponto de partida a noção de “tomar la palabra”: escrita teórica, rádio independente, o jornal alternativo, arte de rua.

“Tomar la palabra!”. É o que queremos e esperamos. Aproveitem os textos sobre práticas políticas e gênero e que destes surjam outras e tantas mais História(s), Vivência(s) e Experiência(s) do(s) feminino(s)!

Referências

FLAX, Jane. Pós-moderno e relações de gênero na teoria feminista. In: BUARQUE DE HOLANDA, Heloísa (Org.). Pós-modernidade e política. Rio de Janeiro: Rocco, 1991. p.217-250.

NICOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, Florianópolis, v.8, n.2, p.9-41, 2000.

SCOTT, JOAN W. Os usos e abusos do gênero. Tradução: Ana Carolina Eiras Coelho Soares. Projeto História, São Paulo, n. 45, pp. 327-351, Dez. 2012.

SOIHET, Rachel e COSTA, Suely Gomes. Interdisciplinaridade: história das mulheres e estudos de gênero. Gragoatá, Niterói, n.25, p.29-49, 2008.

Alcileide Cabral do Nascimento – Professora Doutora em História da Universidade Federal Rural de Pernambuco; Coordenadora Nacional do Gt de Gênero ANPUH; Coordenadora do Núcleo de Pesquisas e Estudos em Gênero / NUPEGE / UFRPE / CNPq.

Ana Carolina Eiras Coelho Soares – Professora Adjunta do Programa de Pós-Graduação em História e da Faculdade de História da Universidade Federal de Goiás; Coordenadora do GT regional de Gênero – Seção Goiás; Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero / FH-UFG / CNPq.


NASCIMENTO, Alcileide Cabral do; SOARES, Ana Carolina Eiras Coelho. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 19, n. 3, 2014. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Itamar Freitas

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